quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

TOP 10 - CINEMA BRASILEIRO

Em 2015 a Associação Brasileira de Críticos de Cinema divulgou o seu ranking dos 100 melhores filmes brasileiros. Nas dez primeiras posições, a obra mais recente é Cidade de Deus, de 2002.

Por considerar o momento atual do cinema brasileiro, em uma fase iniciada no final do século passado, mais maduro, técnico e equilibrado, resolvi fazer essa lista. Sem critérios históricos, mas apenas artísticos, eis aqui o que de melhor o cinema brasileiro produziu em sua história.

É o melhor documentário de Eduardo Coutinho. Um comovente estudo sobre o ofício de atuar. A ideia genial: a partir de um anúncio publicado nos jornais e distribuído em pontos de grande movimento, mulheres são convocadas a dar depoimentos sobre suas vidas. Depois, com base nesse material filmado, os textos dessas mulheres foram encenados por atrizes, famosas ou não. Na ilha de  edição Eduardo Coutinho se encarregou de criar o "jogo" para o espectador: distinguir o que é "real" e o que é "encenação". Disponível no Youtube.



Grande clássico do Cinema Novo e um dos mais famosos filmes brasileiros no exterior, é um ambicioso e desconcertante retrato das mazelas do sertão nordestino de outrora, em meio à alienação e o atraso da religião e do cangaço. Com uma linguagem narrativa e visual ainda atual, mistura repente, Villa-Lobos, faroeste e o teatro de Brecht para falar de um mundo em transformação, onde Antônio das Mortes, "matador de cangaceiro e sem religião" surge como um dos grandes personagens do cinema brasileiro.



Um marco do cinema brasileiro, indicado a 4 Oscars e o mais famoso filme nacional no exterior. Seu elenco, repleto de atores negros e sem experiência profissional representa uma quebra de paradigmas de mercado. Com uma direção excepcional e uma edição inventiva, Cidade de Deus é, definitivamente, um dos grandes filmes do século XXI.



Em 12 de outubro de 2000 um ônibus carioca da linha 174, que ligava a Gávea à Central do Brasil, foi sequestrado e seus passageiros mantidos por horas como reféns. O desfecho (trágico), foi acompanhado por milhões de brasileiros através das TVs e revelou o despreparo dos órgãos de segurança pública para lidar com uma situação do tipo. Esse contundente documentário refaz a história desse traumático evento tentando entender as suas causas. Para isso, investiga o passado do sequestrador e mostra que a incompetência e omissão do Estado são os motivos principais para que personagens como o sequestrador Sandro do Nascimento se proliferem pelas ruas das grandes cidades brasileiras.



Um dos mais importantes filmes brasileiros, Central do Brasil é uma obra atemporal sobre amizade, tendo como pano de fundo um retrato real e sentimental do Brasil. Impossível não se emocionar. Indicado a 2 Oscars, inclusive melhor atriz, para Fernanda Montenegro.


 
Em uma ode à memória e a força de uma mulher, Aquarius é muito mais do que a o imbróglio político em que se meteu. Sonia Braga, no melhor momento de sua carreira, defende uma personagem viva, real, repleta de contradições, defeitos e qualidades em um filme corajoso e de elevado conceito artístico.



Magníficos poemas visuais sobre a banalidade da morte no século XX. Talvez o filme síntese do século das duas grandes guerras mundiais. Concebido a partir de uma bolsa de pesquisa e editado em uma ilha de edição semiprofissional, é um estranho no ninho do cinema nacional. Um filme surpreendente e a quem ninguém fica indiferente.





O melhor exemplar de uma temática muito própria do cinema brasileiro: o nordestino que imigra para o sudeste em busca de uma vida melhor. Temos aqui dois grandes personagens: Raimundo Nonato, um cozinheiro talentoso e nato, e aquela por quem se apaixona, uma prostituta glutona, louca por seus quitutes. No meio disso, uma história densa e engraçada em que acompanhamos o embrutecimento de um homem em meio à luta pela sobrevivência na grande metrópole.



Um grande sucesso de público e um dos filmes nacionais mais conhecidos, graças à televisão. Texto primoroso, elenco perfeito e direção precisa. Uma obra-prima.




Dezesseis anos antes de Que Horas Ela Volta?, Regina Casé já demonstrava sua grande sensibilidade para o drama naturalista, ao interpretar uma mulher que vive sob o mesmo teto com três homens, em perfeita ordem familiar. Talvez seja o filme mais feminista do nosso cinema, da mesma produtora que anos depois realizaria o fenômeno Dois Filhos de Francisco.

sábado, 21 de janeiro de 2017

JANELA INDISCRETA (Rear Window, 1954)


UM FILME EXCEPCIONAL, MAS QUE INFELIZMENTE PECA NO ÚLTIMO MINUTO.

país produtor: Estados Unidos da América
direção: Alfred Hitchcock
roteiro: John Michael Hayes
elenco: James Stewart, Grace Kelly

sinopse: um fotógrafo com a perna engessada e entediado passa a observar pela janela a vida de seus vizinhos. Até que um dia ele presencia o que pode ser um assassinato, iniciando com isso uma investigação com a ajuda de sua namorada.

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Hitchcock adorava propor ao público exercícios desafiadores, usando para isso do mais puro cinema, ou seja, de suas possibilidades narrativas no uso do som, da montagem e da fotografia. Era um grande esteta, um revolucionário, um homem a frente do seu tempo, sem dúvida.

Foi também um incompreendido em Hollywood. OK, seus filmes faziam sucesso e o diretor era uma figura popular, mas o meio acadêmico não levava a sério seus filmes de suspense. Tanto isso é verdade que, até o lançamento de Janela Indiscreta, Hitchcock havia sido indicado ao Oscar em três ocasiões. Em nenhuma delas por conta de um filme desse gênero, que ele dominava como ninguém.

Temos aqui um exemplo desse pleno domínio de Hitchcock no ofício em contar uma história de mistério e suspense. Janela Indiscreta é um marco no cinema. Nunca antes um filme havia se utilizado de um único ponto de vista e se passado em tão reduzido espaço (o apartamento do personagem de Stewart) para contar, talvez, uma história de assassinato. Digo "talvez" pois tudo o que temos é a visão de um homem e de suas suposições sobre o que acontece à frente de sua janela, em Greenwish Village, Nova York.

Através de uma excelente montagem, Hitchcock dialoga com o espectador e o provoca: será tudo isso a alucinação de um homem, ou realmente aconteceu um crime? Além disso, nos brinda com uma maravilhosa ambientação sonora e visual: nas janelas abertas dos vizinhos a vida transcorre em meio aos sons de um piano, às gargalhadas, ao burburinho da cidade. Sons esses que muitas vezes substituem a trilha sonora, algo muito a frente do seu tempo, há 60 anos atrás, quando uma trilha sonora presente e pouco sutil era a tônica do cinema de Hollywood.

Visto pela primeira vez na minha adolescência, foi um prazer rever esse clássico depois de tanto tempo, pois me foi revelado o quanto ele ainda hoje pode surpreender esteticamente ao público contemporâneo, o que é incrível. Contudo, não pude deixar de me decepcionar, em seu desfecho, com a surpresa desnecessária diante de uma suposição que, confirmada, foi difícil de engolir (prefiro não citá-la para evitar spoiler). Ainda assim, a ousadia do cineasta em entregar ao grande público um exercício narrativo como esse tem que ser sempre louvado. O erro na conclusão é um problema menor diante das qualidades desse que é, com toda justiça, um filme referência para qualquer grande amante da sétima arte.

Visto em VHS nos anos 80 e revisto em 2014 no Netflix.