UMA OBRA-PRIMA QUE QUASE NÃO EXISTIU.
país produtor: Estados Unidos da América
direção: Francis Ford Coppola
roteiro: Mario Puzo e Francis Ford Coppola
elenco: Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Robert Duvall, Diane Keaton, Talia Shire
sinopse: primeiro filme da trilogia, conta a ascensão do filho caçula Michael Corleone ao posto de "padrinho" de uma família mafiosa de Nova York.
Metascore (metacritic.com): 100
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Já tanto se falou e tanto se elogiou O Poderoso Chefão que qualquer análise crítica desse obra-prima se torna redundante e o mais do mesmo. Meu interesse então não é falar do filme em si, mas sim do fato de que esse clássico poderia nunca ter existido como o conhecemos, tantos foram os problemas e intrigas que permearam a sua produção.
A história da família Corleone no cinema começou quando a Paramount, necessitando desesperadamente de uma grande bilheteria, comprou os direitos autorais do livro homônimo de Mario Puzo, um tremendo sucesso de vendas desde seu lançamento em 1969. A primeira opção para dirigir o filme não era Francis Ford Coppola mas, diante da recusa de nomes como Sergio Leone e Peter Bognadovich (por receio de fazerem uma obra que glorificasse a máfia), Coppola foi chamado.
Porém ele somente aceitou dirigi-lo quando viu uma oportunidade de fazer da história de Don Corleone e sua família uma metáfora do capitalismo (será que conseguiu?). Outro motivo, esse sim forte, era que sua produtora estava afundada em dívidas após produzir a ficção científica THX-1138, de 1971, do seu amigo George Lucas, um grande fracasso de bilheteria.
E foi assim que o jovem Coppola, sem grandes poderes dentro da Paramount, teve que negociar cada ideia sua, quase sempre encaradas com desconfiança pelos executivos. A equipe do filme tinha nomes impostos pela produtora, o que tornava o set de filmagem tenso. Isso somente foi resolvido quando ele, já na iminência de ser demitido, expulsou do set todos que não confiava, inclusive o primeiro assistente de direção. Foi um ato desesperado mas que, felizmente, deu certo.
Outra grande dor de cabeça foi a escolha do elenco. Marlon Brando foi aceito apenas diante da insistência quase messiânica do diretor, que como última cartada, gravou o célebre teste de elenco do ator, em que ele coloca os algodões nas bochechas e magicamente se transforma no Don Corleone.
Al Pacino foi outro que sofreu, pois era um quase desconhecido na época. Na visão torta dos executivos, o sucessor de Don Corleone deveria ser um ator de maior estatura e porte. Quase trocado na primeira semana, somente foi salvo quando Coppola mostrou aos produtores a emblemática sequência em que Sollozzo e Capitão McCluskey são mortos na cantina italiana.
A epopeia de Coppola à frente de uma produção repleta de ingerências e desconfianças está magistralmente documentada nos extras do DVD que trás uma versão restaurada e comemorativa. É uma delícia ouvir Coppola comentando as cenas. Ele conta os problemas da produção, aponta os erros que somente ele percebia e ironiza a parca visão dos executivos que não entendiam a mente criativa desse gênio da sétima arte.

Poucos
no estúdio acreditavam no sucesso do filme e, para minimizar os riscos,
deram a Coppola um orçamento restrito, de pouco mais de 6 milhões de
dólares. Assim, muitas cenas hoje clássicas foram filmadas a toque de caixa. A sequência inicial, em que a maioria dos personagens são apresentados ao espectador, durante a festa de casamento da filha de Don Corleone, foi filmada em três dias. Em uma produção normal, dada a dificuldade em gerir tantos atores e situações, deveria ser dado ao diretor um tempo maior. Nos comentários de Coppola no DVD percebemos o amargor do diretor com esses problemas de produção. Ele fala que em determinadas situações se sentia dirigindo um filme B.
Claro que isso é um exagero, pois vejam só o elenco que Coppola dispunha, vejam a qualidade de seu fotógrafo Gordon Willis e da música de Nino Rota. Aliás, tal música chegou a ser rechaçada pela Paramount. Acreditem se quiser, houve quem se opusesse a esse maravilhoso tema, um dos maiores da história do cinema. Mais uma vez Coppola se viu obrigado a intervir e ameaçou sair do filme. Depois, com a cabeça no lugar, sugeriu apresentar o filme para um público restrito. Se não gostassem da música, ela seria trocada. Claro que todos adoraram.
A razão para tantas opiniões absurdas e ingerências é que muitos desses executivos (que depois quebraram a cara) estavam sendo guiados não somente por suas reais convicções estéticas, mas também por não confiarem na genialidade de Coppola, um diretor da nova geração de Hollywood e com seus próprios métodos, que andava pelos sets de filmagem com um calhamaço de papéis intitulado The Godfather's Notebook, repleto de anotações e rabiscos sobre as páginas originais do livro. Ninguém compreendia que essa foi a forma que Coppola encontrou para imergir na história de Puzo e adapta-la da melhor maneira possível. E de fato, com tantos personagens, paisagens e passagens de tempo, é incrível a forma natural como as ações fluem homogeneamente. Todos os personagens relevantes tem uma construção e um desenvolvimento; não há furos no roteiro.

Mas havia outros problemas além dos relacionados ao set de filmagem. A oposição dos ítalo-americanos ao filme era grande. Manifestações e passeatas falavam em boicote à produção e havia inclusive ameaças aos produtores. As lideranças dessas manifestações diziam que o filme lançava estereótipos sobre os descendentes de italianos. Eram a massa de manobra perfeita para os grandes chefões da máfia da cidade.
Foi preciso muitas negociações entre os mafiosos e os produtores para que as coisas se acalmassem e, assim, as locações em Little Italy fossem utilizadas. O problema é que essas negociações vazaram e, diante da recepção negativa na imprensa, quase provocaram o cancelamento das filmagens. Há inclusive um ótimo documentário sobre esses fatos chamado The Godfather and the Mob (2006). Está no Youtube:
https://youtu.be/72HlbaAnZfo

Tentando se manter avesso a tudo isso, Coppola continuava lutando por seu filme. Uma cena que resume toda essa conjuntura é quando Luca Brasi visita o escritório de Don Corleone. O personagem foi interpretado por Lenny Montana, um capanga real da máfia que queria "virar ator" e foi imposto por seus chefes à produção. Só que ele não tinha o menor talento e sua cena com Marlon Brando resultou em um desastre. Coppola resolveu então colocar uma cena extra, em que o personagem, visivelmente nervoso, decora o texto que irá dizer para o seu poderoso padrinho. No DVD, Coppola fala que essa foi uma saída criativa e perfeita para um problema, que acabou "virando uma piada interna da produção."
E foi assim, driblando tantos problemas e limitações, que Coppola dirigiu esse retrato icônico da máfia que influencia até hoje os filmes com essa temática. Um sucesso imenso de bilheteria e o início de uma maravilhosa trilogia aclamada por todos. Difícil acreditar, mas por detalhes, tal trilogia que hoje todos amam, poderia nunca ter existido como tal.
Visto pela primeira vez em VHS nos anos 80 e depois revisto por incontáveis vezes em DVD e mídia digital.
Foi também um incompreendido em Hollywood. OK, seus filmes faziam sucesso e o diretor era uma figura popular, mas o meio acadêmico não levava a sério seus filmes de suspense. Tanto isso é verdade que, até o lançamento de Janela Indiscreta, Hitchcock havia sido indicado ao Oscar em três ocasiões. Em nenhuma delas por conta de um filme desse gênero, que ele dominava como ninguém.
Temos aqui um exemplo desse pleno domínio de Hitchcock no ofício em contar uma história de mistério e suspense. Janela Indiscreta é um marco no cinema. Nunca antes um filme havia se utilizado de um único ponto de vista e se passado em tão reduzido espaço (o apartamento do personagem de Stewart) para contar, talvez, uma história de assassinato. Digo "talvez" pois tudo o que temos é a visão de um homem e de suas suposições sobre o que acontece à frente de sua janela, em Greenwish Village, Nova York.
Através de uma excelente montagem, Hitchcock dialoga com o espectador e o provoca: será tudo isso a alucinação de um homem, ou realmente aconteceu um crime? Além disso, nos brinda com uma maravilhosa ambientação sonora e visual: nas janelas abertas dos vizinhos a vida transcorre em meio aos sons de um piano, às gargalhadas, ao burburinho da cidade. Sons esses que muitas vezes substituem a trilha sonora, algo muito a frente do seu tempo, há 60 anos atrás, quando uma trilha sonora presente e pouco sutil era a tônica do cinema de Hollywood.
Visto pela primeira vez na minha adolescência, foi um prazer rever esse clássico depois de tanto tempo, pois me foi revelado o quanto ele ainda hoje pode surpreender esteticamente ao público contemporâneo, o que é incrível. Contudo, não pude deixar de me decepcionar, em seu desfecho, com a surpresa desnecessária diante de uma suposição que, confirmada, foi difícil de engolir (prefiro não citá-la para evitar spoiler). Ainda assim, a ousadia do cineasta em entregar ao grande público um exercício narrativo como esse tem que ser sempre louvado. O erro na conclusão é um problema menor diante das qualidades desse que é, com toda justiça, um filme referência para qualquer grande amante da sétima arte.
Visto em VHS nos anos 80 e revisto em 2014 no Netflix.