domingo, 31 de janeiro de 2016

MINHA AMADA IMORTAL (Immortal Beloved, 1994)


IRRITANTE ROMANTIZAÇÃO DE FATOS HISTÓRICOS BOTA A PERDER UMA EXCELENTE PREMISSA.

país produtor: Estados Unidos da América, Reino Unido // direção: Bernard Rose // elenco: Gary Oldman, Jeroen Krabbé, Isabella Rossellini

sinopse: Ludwig Van Beethoven (Gary Oldman) morre e seu grande amigo e secretário particular decide cumprir o último desejo do compositor, que deixava em testamento tudo para uma "Amada Imortal", sem especificar o nome desta mulher. Assim, empreende uma jornada tentando encontrá-la.

Metascore: 81 (from metacritic.com)

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Minha Amada Imortal é um filme bastante ambicioso e com uma ótima ideia inicial. Pois se utiliza de uma estrutura de roteiro parecida com a de um clássico do cinema, Cidadão Kane, para traçar em flashbacks um painel da vida de Beethoven, se atendo principalmente a seu período mais criativo, a partir da composição de sua terceira sinfonia "Heroica".

Vejo também aqui ecos de Amadeus, filme de Milos Forman e ganhador de vários Oscar. Mas isso não é um elogio, pois tanto Amadeus quanto Minha Amada Imortal pecam ao recriarem fatos, mudando a História (com h maiúsculo) à conveniência do roteiro.

É claro que a liberdade criativa é necessária na hora de transpor para a tela fatos e personagens históricos. Mas para tudo há um limite e talvez por isso a minha experiência com Minha Amada Imortal não tenha sido boa, já que tenho familiaridade com a vida e obra de Beethoven. Me senti, em diversos momentos do filme, incomodado.

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Incomodado pela forma como o filme tratou a notória surdez do compositor. É certo que Beethoven se tornou uma pessoa arredia e depressiva a medida que a surdez progredia, mas, diferente do que o filme deixa transparecer de forma confusa, ela não impediu que o compositor tivesse nesse período seus anos mais profícuos. É importante lembrar que Beethoven compôs obras de grande valor, visionárias, até seu último suspiro de vida. E não estou falando da Nona Sinfonia, composta 3 anos antes, mas especialmente de seus últimos quartetos de cordas e peças para piano.

A surdez não impediu que Beethoven continuasse compondo, pois escrever música é algo que independe da audição. Contudo, para Beethoven era especialmente doloroso se ver impedido de reger, tocar em público e lecionar. Assim, na tentativa de dramatizar ao extremo essa situação de vida, o filme erra a mão. Um exemplo é uma cena horrorosa em que Beethoven não consegue reger um concerto para piano e orquestra e é alvo de gargalhadas do público. Não há registro de que isso tenha acontecido dessa forma. Beethoven era uma figura pública respeitada, apesar de, devido a sua excentricidade e temperamento, nem sempre dar-se ao respeito. Esse é um dos muitos exemplos de uma irritante "romantização" dos fatos, sempre colocados de forma exagerada em detrimento de uma maior veracidade e leveza.

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Essas minhas críticas são escritas com pesar, pois Minha Amada Imortal é um filme que poderia ser melhor do que realmente é. Mas seu tom exageradamente romântico e sua história desnecessariamente novelesca tornaram-no um espetáculo difícil de engolir. O que se salva aqui sem poréns é a música desse grande gênio. Felizmente, ela foi bem usada. Diversos momentos do filme são engrandecidos graças a ela, como que demonstrando que maior do que todos os filmes sobre Beethoven, é a a obra que ele nos legou.

Visto em 2016 no Netflix.

domingo, 24 de janeiro de 2016

O PEQUENO PRÍNCIPE (Le Petit Prince, 2015


O CLÁSSICO LIVRO DE EXUPÉRY EM UMA ABORDAGEM EQUIVOCADA.

país produtor: França // direção: Mark Osborne

sinopse: Uma garota controlada de forma obsessiva pela mãe faz amizade com um ex-aviador que lhe conta a história de um pequeno príncipe que conhecera quando seu avião caiu no deserto. Adaptação do livro O Pequeno Príncipe, escrito pelo aviador Antoine de Saint-Exupéry três anos antes de morrer em missão durante a Segunda Guerra Mundial.

Metascore: 69 (from metacritic.com)

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Assim como o livro, esse filme não é para crianças. Na sessão que eu fui, a molecada não via a hora do filme acabar. Dito isso, vamos a minha análise.

Se você já leu O Pequeno Príncipe, não vai ser difícil concordar que o grande recado do livro é dado aos adultos que esqueceram a criança que já foram um dia. Mas, num tremendo contrassenso, no filme, o grande recado é dado a uma criança infeliz. Ou seja, no âmago, há uma distorção absurda no que pretendia o escritor Exupéry.

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Mas o que esperar de um diretor que tem no currículo bobagens como Kung-fu Panda? Seria muito mais interessante ver um diretor como Andrew Station, que dirigiu Wall-e, na difícil tarefa de passar para o cinema a magia de um livro que, infelizmente, é empurrado goela abaixo de crianças ainda muito jovens para compreender o que suas linhas querem dizer.

Repito, O Pequeno Príncipe não é um livro infantil, nem nunca teve a pretensão de ser. Não é por que um livro tem desenhos de aquarela e tem poucas páginas que ele necessariamente é voltado para crianças. Esse simplismo é burro.

OBS: recentemente reli o livro e em pouquíssimos momentos pensei nas cenas do filme. Minha mente preferiu se ater apenas às aquarelas do autor, por mais bacanas que sejam as recriações em stop motion do filme. O livro se basta. Já o filme é uma recriação equivocada de um universo perfeito.

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Recriação, pois no livro não existe a personagem menina e, felizmente, também não há o terrível terceiro ato (que deve ter sido o mais divertido para a gurizada, garanto).

Se o filme tivesse 15 minutos a mais de Pequeno Príncipe e 30 minutos a menos de Menina, eu até daria uma nota maior, pois assim, alguma coisa da essência do livro seria mantida. Essência essa que não se resume apenas a sua mensagem, mas também a sua simplicidade. Mas do jeito que está, o resultado foi para mim uma decepção.

Visto em 2015 no Cinépolis Lagoon, Rio de Janeiro.

domingo, 17 de janeiro de 2016

MIL VEZES BOA NOITE (Tusen Ganger God Natt, 2013)


A ANGÚSTIA EM FOTOGRAFAR A DESGRAÇA HUMANA É PANO DE FUNDO PARA UM TOCANTE DRAMA FAMILIAR.

país produtor: Noruega, Irlanda, Suécia // direção: Erick Poppe // elenco: Juliette Binoche, Nikolaj Coster-Waldau, Lauryn Canny

sinopse: Rebecca (Juliette Binoche) é uma das melhores fotógrafas de guerra em atividade e precisa enfrentar uma crise familiar quando seu marido (Nikolaj Coster-Waldau) lhe dá um ultimato. Ele e a filha do casal (Lauryn Canny) não suportam mais sua rotina arriscada e exigem mudanças, mas ela, apesar de amar a família, tem verdadeira adoração pela profissão.

Metascore: 57 (from metacritic.com)

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Uma obra para ficar na memória e no coração, pelas questões que evoca, pela grande carga emotiva das interpretações e pela direção sensível desse grande talento Erick Poppe.

A saga da fotógrafa de guerra Rebecca, contada a partir de sua volta para casa em sua tentativa de reconquistar a família, é comovente e humana. Mas, indo além a esse drama familiar, o filme levanta uma discussão pertinente sobre o papel do fotojornalismo em um mundo atual saturado de imagens que dia após dia banalizam a dor, o sofrimento, a morte.

Pois Rebecca (Binoche, maravilhosa), apesar de não ter dúvidas sobre o quão importante é sua profissão para denunciar os crimes contra a humanidade, com algumas de suas ações (em especial a forte sequência que abre o filme) nos leva à discussão se ao espetacularizar uma ação criminosa, o seu idealismo não está sendo usado a favor das causas que pensa combater.

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Além dessas questões, o filme é especialmente doloroso para o espectador, pois tem como pano de fundo a dor de milhares de esquecidos, em países a margem do mundo global. Nações africanas e asiáticas onde o preço da vida humana é muito, muito baixo. Sem ser panfletário, o filme lança uma sempre necessária luz sobre o drama desses povos.

Mil Vezes Boa Noite é magnificamente filmado. O diretor foi durante muito tempo fotojornalista e revela um grande domínio cênico e estético. Há cenas lindíssimas, não só pela beleza plástica, mas também pela naturalidade nas interpretações. Destaco aqui a cena em que Rebecca e seu marido brincam a beira do mar, numa espécie de reconciliação. E aqui vale um adendo: grandes e sensíveis atuações somente são possíveis quando o diretor é igualmente sensível.

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Outro ponto que merece destaque é que o filme é avesso a artificialismos irritantes. Assim, a filha mais nova de Rebecca age e pensa como uma criança, assim como temos uma filha adolescente muito crível em uma ótima interpretação da jovem atriz Lauryn Canny.


Até sua metade irrepreensível, Mil Vezes Boa Noite tem um problema de roteiro na preparação para o terceiro ato, quando a crise se instaura na família. Mas esse problema não prejudica a excelente resolução do filme, em um final aberto, digno da complexidade dos dramas narrados.

Um dos grandes filmes a passar pelos cinemas brasileiros em 2015, infelizmente de forma muito tímida.

Visto em 2015, em arquivo digital.

domingo, 10 de janeiro de 2016

SNIPER AMERICANO (American Sniper, 2014)


A BIOGRAFIA DO MILITAR CHRIS KYLE TEM COMO MAIOR QUALIDADE SE MANTER À MARGEM DE QUALQUER IDEOLOGIA.

país produtor: Estados Unidos da América // direção: Clint Eastwood // elenco: Bradley Cooper, Sienna Miller, Kyle Gallner

sinopse: Biografia de Chris Kyle (Bradley Cooper), atirador de elite das forças especiais da marinha americana. Durante cerca de dez anos, em quatro incursões, ele matou mais de 150 pessoas, tendo recebido diversas condecorações por sua atuação na Guerra do Iraque.

Metascore: 72 (from metacritic.com)

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Filme mais polêmico de 2014, Sniper Americano dividiu opiniões mundo afora, com muitos enxergando nesse filme uma retórica direitista de apoio ao intervencionismo americano pós 11 de Setembro. Nada mais fora da realidade.

Diferente do que pensa o pessoal mais à esquerda e anti-americano, não vi nesse filme uma visão preconceituosa sobre o Iraque ou os iraquianos. O que eu vi em Sniper Americano foi um tratamento neutro de Eastwood sobre essa guerra infame que os Estados Unidos inventaram, juntamente com a Inglaterra de Tony Blair, após o ataque às Torres Gêmeas.

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Me pareceu que o diretor estava mais preocupado com o ser humano Kyle do que com o lado político ou ideológico da guerra. Kyle é uma pessoa com visão simplista sobre as coisas. De sua boca não sai nenhuma palavra de desagravo à guerra no Iraque (de outros soldados há palavras de descontentamento). Ele parece encarar o seu trabalho exatamente como isso, um trabalho; no caso, matar insurgentes iraquianos antes que esses matem seu colegas. É dessa "ignorância" que vem a força dele para aguentar o tranco de quatro incursões ao Iraque. O filme tem essa mensagem. Para ser um excelente soldado, é melhor não pensar.

Lendo os comentários por aí na internet, vejo que muitos são tomados por visões distorcidas e apaixonadas. Pois bem, prefiro ter a visão de Eastwood: nada é 8 ou 80. E American Sniper é um bom filme exatamente por isso.

Visto em 2015, em arquivo digital

domingo, 3 de janeiro de 2016

CARTAS DE IWO JIMA (Letters from Iwo Jima, 2006)


UM RETRATO SENSÍVEL DO LADO PERDEDOR DA GUERRA DO PACÍFICO.

país produtor: Estados Unidos da América // direção: Clint Eastwood // elenco: Ken Watanabe, Kazunari Ninomiya, Tsuyoshi Ihara, Ryo Kase, Shidou Nakamura

sinopse: A batalha pela conquista da ilha de Iwo Jima durante a Segunda Guerra Mundial pela perspectiva dos japoneses derrotados.

Metascore: 89 (from metacritic.com)

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Antes de mais nada, Kazunari Ninomiya, como o ex-padeiro que luta pela sobrevivência, está bem mais ou menos. Mas Cartas de Iwo Jima é tão bom, que não é uma atuação deficiente que será capaz de apagar as coisas belas desse filme, a obra-prima de Eastwood ao lado de Os Imperdoáveis.

A fotografia é soberba, não só pela escolha das cores, mas também pela iluminação dos cenários e dos corpos de soldados fadados a morrer, esquecidos em meio a megalomania imperialista de um país que, após as conquistas de inúmeras ilhas no pacífico e colônias no sudeste asiático, não puderam deter a impressionante reação dos Estados Unidos e sua máquina de guerra.

É um filme que fala de muitas coisas. Fala da derrota de um exército, a essa altura desmantelado, mal treinado, atrasado. Cartas de Iwo Jima é um raio-x límpido da derrota japonesa na segunda grande guerra.

Fala do fanatismo de um povo. Dos males do totalitarismo. De como a crença em um rei "divino" cegou uma nação próspera, levando à opressão, a supressão de liberdades, a milhares de mortes e traumas. As posteriores bombas atômicas foram a desculpa perfeita para que Hirohito, o rei macabramente "divino", declarasse a rendição incondicional, mesmo contra a opinião de generais incompetentes, que preferiam o massacre de seu próprio povo e mais destruição.


Por fim, fala de honra. Mas que honra? Explodir uma granada junto ao peito é mais honroso do que lutar até o fim? Triste distorção de valores...

Porém, mesmo falando de tantos aspectos ruins de uma nação derrotada em guerra, Cartas de Iwo Jima é extremamente respeitoso com os japoneses. Há humanidade nos personagens. O filme passa a acertada mensagem de que, naquela ilha, todos eram vítimas.

Como não poderia deixar de ser, o filme tem vários momentos pró Estados Unidos, o que eu não considero um problema. Há apenas uma cena em que soldados americanos cometem um crime de guerra. Em contrapartida, o exército japonês, conhecido por suas atrocidades, é quase poupado de cenas infames, que relembrariam os muitos crimes de guerra cometidos fanaticamente. No mais, é o poderio bélico americano que impera, em cenas de guerra muito boas.

Sensível, Cartas de Iwo Jima tem o poder de emocionar não só americanos, mas japoneses. Pois o Japão renascido do pós-guerra se converteu em uma nação de paz, ciente, assim como a Alemanha, de seus erros passados que, espero, não se repetirão jamais. Um filme inesquecível.

Visto em 2015 em arquivo digital.