domingo, 7 de fevereiro de 2016

DANÇA COM LOBOS (Dances with Wolves, 1990)


UM CLÁSSICO ETERNO SOBRE RESPEITO, EDUCAÇÃO E AMIZADE.

país produtor: Estados Unidos da América // produção e direção: Kevin Costner // elenco: Kevin Costner, Mary McDonnell, Graham Greene, Rodney A. Grant, Floyd 'Red Crow' Westerman

sinopse: Durante a Guerra Civil Americana, o tenente confederado John Dunbar se torna involuntariamente um herói e assume, por opção, no posto mais próximo da fronteira com o Canadá, no que hoje é o Estado de Dakota do Norte. Lá ele inicia uma amizade com uma tribo de índios Sioux ao mesmo tempo em que se preocupa com a iminente e inevitável ocupação dos brancos a esse território, desde sempre ocupado pelos índios.

Metascore: 72 (from metacritic.com)

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No início dos anos 90 Kevin Costner surpreendeu o mundo ao anunciar que iria produzir, dirigir e protagonizar Dança com Lobos, um faroeste com mais de três horas de duração. Ator em ascensão, Costner nunca havia dirigido um filme, nem mesmo um mero curta metragem. Roteirizado pelo desconhecido Michael Blake, esse épico seria falado em grande parte no dialeto das tribos Sioux que habitaram as grandes pradarias dos EUA, o que necessitaria do uso de legendas. O tema - a conquista do Oeste - era tido como ultrapassado pela indústria cinematográfica. Não à toa, previa-se em Hollywood um retumbante fracasso. Para completar, Costner estourou o orçamento de 15 milhões de dólares e empenhou 3 milhões das suas próprias economias para terminar o filme do jeito que imaginava.

Mas eis que com o filme pronto toda essa desconfiança se esvaiu. Pois bem... Dança com Lobos se revelou não só um grande filme, vencendo meses depois 7 Oscars, mas também se tornou a terceira maior bilheteria de 1990, indo muito além do que os mais otimistas acreditavam.

Apesar de todo esse surpreendente sucesso, até recentemente eu considerava essa obra como um produto típico para ganhar Oscar, embalado por um discurso açucarado e politicamente correto. Mas, graças ao acesso que tive a uma versão estendida, com 4 horas de duração, me entusiasmei por revisitar esse filme. Preciso de vez em quando por minhas crenças a prova e era a vez de fazer isso com um "director's cut". Foi uma boa tática.

Foi então que um novo filme se revelou para mim. Antes eu o havia assistido em fitas VHS, em uma TV de 21 polegadas; agora a qualidade digital somada a uma TV widescreen de 46 polegadas ampliou em muito meus horizontes. Mas não foi só. Entendi o propósito do filme. Entendi a cabeça do realizador e a ideologia contida em cada uma das cenas filmadas lindamente por Kevin Costner. Abri minha mente de tal forma para a saga de John Dunbar que por diversas vezes me emocionei.


Agora, para escrever essas linhas, revi o filme... Uau! O impacto continua o mesmo! Que poder Dança com Lobos tem, a ponto de eu não me cansar de reviver e rememorar suas passagens e seus diálogos?

Pergunto isso pois, claro, sei que está tudo lá que os detratores do filme criticam: o discurso fácil e simplista do "índio ecológico" em contraste aos invasores brancos e consequente destruição à natureza selvagem. Está também o repetitivo padrão do herói branco e altruísta, que salva os menos favorecidos e minorias. Há ainda uma certa negligência do roteiro às tradições e costumes indígenas, além de erros em relação aos diálogos sioux. Ok... Mas mesmo assim eu me pergunto: por que meu coração não dá importância a esses detalhes? Que mágica é essa que faz esse filme tão especial não só pra mim, mas para uma legião de fãs que só aumenta? Será que sou capaz de responder? Vou tentar.


Dança com Lobos é um filme que, como nenhum outro,  retrata a traumática "conquista do oeste" sem fazê-la soar piegas ou maniqueísta. Para isso, Kevin Costner e Michael Blake conseguem, com grande equilíbrio, mostrar que o bem e o mal não são atributos determinados pela cor da pele, mas sim por um senso íntimo de moralidade e ética, encontrado em qualquer etnia.

O contexto histórico em que se passa a história é pincelado aqui e ali, de forma natural. As informações sobre as rusgas entre índios e brancos são passadas em pequenos momentos, como quando o Tenente John Dunbar pede para ser lotado no posto mais próximo da fronteira, para vê-la "antes que acabe". Ou então quando ele, a caminho do posto, pergunta sobre os índios, no que escuta adjetivos pouco abonadores e ignorantes sobre esse povo, e balança a cabeça, negativamente.

Quando John Dunbar chega ao posto o cenário é desolador. Abandonado, há animais mortos e lixo no entorno. Mesmo diante desse cenário, John Dunbar resolve ficar. E então, sozinho, começa a arrumar a bagunça, sempre a espera da próxima caravana, que nunca chega.

Eis então que aqueles por quem ele sempre perguntou (e temeu) aparecem: índios de uma tribo próxima, que tentam furtar por três vezes seu cavalo Cisco. O tenente, temendo o pior, começa uma aproximação. É aí que somos conquistados. John Dunbar se revela um modelo de cavalheirismo e respeito para com o "outro", o diferente, de uma forma tão arrebatadora que é impossível não se emocionar e se identificar.

Assim, Dança Com Lobos celebra o que há de melhor no ser humano. Celebra a amizade, a vontade de cativar e aprender com as diferenças. Celebra o encontro de pessoas boas, com bons propósitos e ideais e que, infelizmente, seriam uma ilha de civilidade em meio ao ódio e a ignorância que marcou a relação dos brancos para com os índios.

Mas Dança com Lobos não é somente John Dunbar. Além do tenente, a gama de personagens cativantes se completa com os inesquecíveis Kicking Bird (Pássaro Esperneante), Wind In His Hair (Vento no Cabelo), Ten Bears (Dez Ursos) e Stands with a Fist (Em Pé Com um Punho).


Com um ritmo todo especial, Dança com Lobos é um filme que não tem pressa de contar a sua história, algo raro e bastante gratificante de se ver. É linda a aculturação de John Dunbar. Contudo é relevante observar que ela se deu por um desejo natural e emocional do personagem, que se desenvolve pouco a pouco. Se o acaso contribuiu para que ele se unisse a tribo, determinante foi o seu coração e a sua relação, sempre de igual para igual, olho no olho, com os índios Sioux. Não há um mínimo de prepotência no tenente, mas sim, humildade. É um personagem apaixonante.

Os índios, especialmente Vento nos Cabelos e Pássaro Saltitante, também se deixam fascinar, pouco a pouco, por John Dunbar, quando percebem nele o mesmo amor ao mundo natural que eles nutrem. Sua relação com o lobo Duas Meias, sua amizade com o cavalo Cisco, fazem parte não só da sua jornada, mas se estendem à própria produção do filme: nos créditos finais, os animais treinados para "interpretar" esses personagens estão relacionados junto ao elenco, em uma prática incomum e que diz muito sobre os propósitos dessa obra.


Dança com Lobos é um raro filme que, antes de ser analisado por aspectos técnicos ou de forma racional, deve ser visto como uma experiência emocional. Para mim, nunca um filme de quatro horas foi tão gratificante de assistir, a ponto de eu já sentir saudade de seus personagens e lembrar com carinho de algumas cenas.

Que mágica é essa? Será que fui capaz de responder? Acredito que não... Só mesmo vendo esse filme e se deixando levar, na jornada do tenente John Dunbar, para entender tudo que eu estou falando.

Versão de 3 horas vista em VHS em 1991. Director's Cut, com 4 horas de duração, assistido em arquivo digital, em 2014 e 2016.

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