domingo, 14 de fevereiro de 2016

PACÍFICO - O OUTRO LADO DA GUERRA (The Pacific, 2010)


UMA SÉRIE MAGNÍFICA. TÃO BOA OU MELHOR QUE BAND OF BROTHERS.

país produtor: Estados Unidos da América // produtores: Steven Spielberg, Tom Hanks, Gary Goetzman // elenco: James Badge Dale, Jon Seda, Joseph Mazzello

sinopse: A história de três fuzileiros navais americanos na guerra contra o Império japonês no oceano Pacífico durante a Segunda Grande Guerra. Série baseada em dois livros de memórias de integrantes da Marinha dos Estados Unidos, With the Old Breed: At Peleliu Okinawa, de Eugene Sledge, e Helmet for My Pillow, de Robert Leckie.

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É impossível escrever sobre essa série em 10 episódios sem citar a sua "irmã", Band of Brothers. Por isso, vou logo de cara afirmando que as duas séries produzidas pela HBO em parceria com a DreamWorks (de Steven Spielberg) são igualmente muito boas, nenhuma delas perfeita. E um aviso: esse meu extenso comentário está repleto de spoilers. Se você não viu The Pacific, pare por aqui.

Para quem não está familiarizado com os eventos da Segunda Guerra Mundial, Pacífico retrata a guerra dos fuzileiros navais americanos contra o Japão, tendo como palco ilhas inóspitas do Pacífico. Essa foi uma guerra muito diferente da travada em solos europeus e africanos, contra os fascistas de Musolinni e o nazismo alemão de Hitler. Além da dificuldade que envolve a conquista de uma ilha, por mais mísera que ela seja, havia ainda o espírito altamente beligerante e fanático do soldado japonês, que, reiteradamente desrespeitava as convenções e tratados de guerra, transformando essas ilhas em território para o mais puro sadismo. Por isso, em situações como as mostradas, de terrível insalubridade e insanidade, não havia muito espaço para patriotismo ou atos heróicos.


Não é a toa, muitos ex-combatentes sentiram-se incomodados com o retrato pintado onde soldados americanos, levados ao limite emocional, também cometeram muitos crimes de guerra. Mas, será que existe guerra limpa, realmente? Seja qual for a resposta, o fato é que essa série, infelizmente, pouco mostra das motivações para o inacreditável espírito de combate dos "japs", o que tornava quase impossível a negociação e a rendição. Lamentavelmente, quase não vemos aqui os japoneses cometendo crimes de guerra. E não foram poucas as atrocidades documentadas e levadas aos tribunais do pós-guerra... É senso comum entre os historiadores o caráter fanático dos japoneses como a principal causa do derramamento de sangue nas ilhas do Pacífico. Olhando por esse lado, não dá para não dar razão aos ex-combatentes.

Um aspecto bastante positivo de Pacífico é que, do ponto de vista narrativo, a série é bem mais ousada do que Band of Brothers. Apesar de respeitar uma linearidade temporal, aqui temos três histórias sendo contadas, correndo em paralelo. Valendo-se de personagens reais, temos então um herói de guerra que se destaca pela coragem e pela perícia com armamento - John Basilone; um inexperiente Eugene Sledge, (que tem um bom arco dramático em que acompanhamos a sua evolução como fuzileiro em meio ao horror) e, finalmente, o mais complexo dos personagens e que tem, ao meu ver, o destino mais insatisfatório: Robert Leckie.


Começando por Robert Leckie, acompanhamos sua estada em Guadalcanal. E aqui vai um ponto negativo: as cenas de guerra desses primeiros episódios não conseguiram retratar o horror desse lugar e a insalubridade de tudo. Muito escuras e confusas, me fizeram pensar o que havia acontecido com o padrão exibido em Band of Brothers e Saving Private Ryan, de Spielberg.

Nessa mesma ilha, John Basilone se destaca e é enviado para os EUA, para ajudar na campanha de arrecadação de títulos de guerra. Já Leckie e os demais marines ficam por meses em Melbourne, o único momento de paz que viveriam durante a guerra. Leckie vive nessa bela cidade um romance que, no final das contas, de nada acrescentará para a sua trajetória na série. Apesar da lindíssima cena de sexo que esse romance proporcionou, sinto que essa história poderia ser limada, pois sua conclusão a transformou apenas em algo frustrante e incompleto para o público.

Os melhores episódios são lá pelo meio da série, quando entra em cena, definitivamente, Eugene Sledge. As cenas de batalha em Peleliu para a tomada de uma pista de pouso e das montanhas de rocha ao redor são impressionantes. A engenhosidade dos diretores em recriar esses eventos, o domínio narrativo e dramático, a entrega do elenco, os efeitos visuais e sonoros, a perfeita equação de música e montagem em um timing perfeito, fazem dessas cenas uma das melhores que já vi em toda minha vida.

Logo em seguida vem o momento mais triste da série: o destino de John Basilone, que morre em Iwo Jima após se alistar novamente. Apesar do patriotismo de sua escolha, fica o gosto amargo da banalidade da morte naquela ilha inóspita. E assim a série perde um personagem com uma trajetória bastante ampla, com ações em campos de batalha, treinamentos em academias (ele foi instrutor por um tempo) e em um dos lados menos lembrados da guerra, que é o ligado a propaganda e angariação de recursos. Hoje Basilone é lembrado como um dos grandes heróis da Segunda Grande Guerra.


A partir da morte de Basilone e da baixa de Leckie por ferimentos em Peleliu, a série foca em Sledge e seus companheiros às voltas com a invasão a Okinawa. São os momentos em que vemos civis sendo mortos deliberadamente por raiva, mas também por medo de que carregassem explosivos ou fizessem parte de algum plano de emboscada. A dramaticidade desses eventos mostra que guerras não são lutas apenas entre soldados. A morte de civis é o lado mais perverso e chocante de um conflito bélico.

Quando a situação em Okinawa estava praticamente resolvida, eis que tem-se a notícia das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, eventos esses tão dramáticos que puseram um fim ao conflito. Em comentários que li em outros sites, percebi que alguns ficaram decepcionados por esses ataques ficarem restritos a uma conversa entre os fuzileiros, na base do “ouvi dizer que”. Não concordo com essas críticas. A série foca na vida (ou na desgraça) desses americanos, apenas isso. E esse foco é a força da série. Nada mais natural portanto que as ações que os fuzileiros não fizeram parte, como o lançamento das bombas, ficassem restritos a uma conversa e vagas informações. Em termos narrativos, muitas vezes menos é mais.

Aqui faz-se necessário um adendo: uma guerra nunca é vencida apenas por um tipo de frente. Além dos fuzileiros, havia uma guerra marítima sendo travada, havia a aviação e, claro, a guerra do conhecimento, cujo maior exemplo é a quebra de códigos secretos e a corrida pela fabricação da primeira bomba atômica. Essa última guerra, secreta, é naturalmente a guerra do “ouvi dizer que”. Foram preciso três dias para o Japão, atônito, se render diante da força destruidora daquilo que japoneses e também os marines americanos não compreendiam ainda. Foi uma cartada de mestre. A invasão à principal ilha do Japão levaria a guerra no Pacífico a um número absurdamente mais elevado de vítimas civis e militares. Para se ter algum parâmetro de comparação, na invasão a Okinawa, mais de cem mil civis foram mortos ou cometeram suicídio. Em um bombardeio a Tokyo, com dois mil aviões, mais de setenta mil civis morreram em meio a uma cidade ardendo em chamas. Mas se esses números não o convencerem, há ainda o fato de que a URSS estava pronta para invadir o Japão pelo norte, no que poderia resultar hoje em um país dividido, da mesma forma que ocorre com a Coréia até os dias de hoje. As bombas fizeram nascer um Japão da paz, como canta Gilberto Gil.


Infelizmente, me frustrei com o décimo e último capítulo da série. Achei-o um anticlimax. A volta pra casa, a readequação dos soldados à vida civil, a falta de rumo, os traumas de guerra, tudo isso poderia ser melhor explorado dramaticamente. O ritmo mais lento dessa episódio realçou essa minha impressão, no que eu acredito ter sido o único vacilo da edição, até então impecável.

Finalizando, The Pacific é uma série sensacional que, compreensivamente, sofre com as comparações frente a popularidade de Band of Brothers. Mas, para mim, esse magnífico espetáculo não fica nada a dever a sua antecessora, muito pelo contrário, pois a completa, sendo uma experiência inesquecível para todos que, como eu, adoram filmes de guerra.

Visto em 2015, em arquivo digital.

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